No varejo brasileiro, a montadora lidera as vendas de carros elétricos e já é a quarta marca que mais vende veículos leves
Wang Chuanfu, natural da província de Anhui, formou-se em química física da metalurgia, com especialização em baterias — uma coincidência afortunada, seguida pela oportunidade de gerenciar uma empresa estatal do setor logo após a graduação. Em 1994, ao ler sobre o compromisso ambiental do Japão de encerrar a produção de baterias de níquel-cádmio, Wang identificou uma lacuna no mercado: atender à demanda dos milhares de fabricantes de telefones celulares que surgiam com a era móvel na China. Em 1995, deixou a empresa estatal e fundou a Build Your Dreams — ou BYD.
Entrada no setor automotivo
No início dos anos 2000, com a abertura de capital da BYD na bolsa de Hong Kong em 2002, a empresa captou HKD 1,65 bilhão (aproximadamente USD 210 milhões). Com essa injeção de recursos, Wang Chuanfu decidiu diversificar os negócios. Ter uma visão de longo prazo era essencial, segundo ele — e as baterias pequenas eram um mercado limitado. Os setores de comunicações, automóveis e, especialmente, veículos elétricos chamaram sua atenção. Se os carros elétricos, equipados com grandes baterias, pudessem ser viabilizados comercialmente, a BYD teria espaço para crescer de forma relevante.
Em 2003, a BYD adquiriu 77% da Qinchuan Automobile por HKD 254 milhões (cerca de USD 32,7 milhões). O mercado reagiu mal: fundos abandonaram a empresa, e o preço das ações caiu trinta por cento nos três dias após o anúncio. O Deutsche Securities destacou quatro pontos negativos: o setor automotivo não era o foco da BYD, o valor pago foi elevado, a Qinchuan era pouco competitiva e a imagem da BYD ficou arranhada.
Mas Wang viu a aquisição como um passo estratégico para a industrialização das baterias automotivas. “Com essa plataforma, o processo de industrialização das baterias para veículos elétricos da BYD foi acelerado em dois a três anos. A cooperação com montadoras, por si só, não seria suficiente”, afirmou.
A difícil jornada rumo aos veículos elétricos
A BYD não começou fabricando veículos elétricos, mas iniciou sua exploração nesse campo cedo. Em 2006, construiu a primeira estação de recarga para veículos elétricos da China. Liderou o desenvolvimento de plataformas dedicadas aos veículos de energia limpa e, em março de 2022, tornou-se a primeira montadora chinesa a anunciar o fim da produção e venda de veículos a combustão. Desde sua entrada no setor automotivo, levou mais de uma década até que a empresa lançasse, em 2015, seu primeiro modelo campeão de vendas entre os veículos de energia limpa. A partir daí, o crescimento foi exponencial.
Como a BYD chegou até esse ponto?
1. A BYD se preparou bem para a transição dos combustíveis fósseis para a eletricidade
Desde 2003, a empresa vinha desenvolvendo paralelamente veículos a combustão e conceitos de veículos de energia limpa, com maior investimento nos modelos convencionais — como o Flyer e o F3 — devido às incertezas técnicas e de mercado em torno dos elétricos. Nesse período, a BYD consolidou sua capacidade de produção em escala, com iteração rápida de produtos e qualidade confiável. Isso a preparou para uma transformação estratégica entre 2008 e 2010.
Em setembro de 2008, Warren Buffett investiu na BYD por meio da subsidiária MidAmerican Energy da Berkshire Hathaway, adquirindo 10% da empresa por USD 230 milhões. Charlie Munger, sócio de Buffett, disse à revista Fortune:
“Wang Chuanfu é uma combinação de Thomas Edison e Jack Welch — resolve problemas técnicos como Edison e executa como Welch. Nunca vi alguém como ele.”
Em janeiro de 2009, o governo chinês lançou o projeto “dez cidades e mil veículos” para promover os veículos de energia limpa, com subsídios nacionais. Shenzhen — sede da BYD — foi uma das primeiras cidades-piloto. O modelo F3DM entrou na lista inicial do Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação da China. Aproveitando a oportunidade, a BYD apresentou o sedã elétrico E6 como modelo-teste de táxi em Shenzhen.
2. A BYD explorou diferentes tecnologias
Wang Chuanfu sabia que aquele poderia ser o início de um novo ciclo de sucesso para a BYD, mas o caminho estaria repleto de obstáculos.
As baterias e outros componentes dos veículos de energia limpa ainda eram caros, tornando os carros elétricos menos atraentes do que os convencionais para consumidores não motivados por preocupações ambientais. Além disso, a escassez de estações de recarga era um problema sério. Os subsídios do governo, embora fundamentais, não durariam para sempre. A BYD não teve outra escolha senão apostar na inovação tecnológica.
Wang afirma que a BYD soube aproveitar o “bônus de engenharia” da China — o país com o maior número de talentos em ciência e engenharia do mundo.
Enquanto a Tesla seguiu exclusivamente o caminho dos elétricos puros, a BYD adotou uma estratégia dupla: investir tanto nos veículos totalmente elétricos quanto nos híbridos plug-in, com expectativa maior sobre estes últimos.
Na escolha das baterias, a Tesla optou pelas de lítio convencionais. A BYD, por sua vez, insistiu no desenvolvimento das baterias de fosfato de ferro-lítio — mais seguras e baratas, porém com menor densidade energética e perda de desempenho em baixas temperaturas. Em 2020, com o corte dos subsídios estatais, as vendas de híbridos plug-in da BYD despencaram — mais do que as de modelos totalmente elétricos.
Wang relembrou esse momento em um discurso de 2024:
Por que os consumidores não escolheram nossos híbridos plug-in? Foram muitos os motivos. Preciso admitir que nossa tecnologia na época não era boa o suficiente, o que comprometeu a experiência do usuário. Um carro duas vezes mais caro que um a combustão da mesma categoria não era atraente. Foram dezenove anos de esforço incansável, mas ainda sem reconhecimento de mercado… Eu estava muito ansioso. Mas sempre acreditei que o híbrido plug-in deveria ser a principal escolha para a maioria das famílias chinesas — e eu precisava persistir nisso, custasse o que custasse.
Por que os consumidores não escolheram nossos híbridos plug-in? Foram muitos os motivos. Preciso admitir que nossa tecnologia na época não era boa o suficiente, o que comprometeu a experiência do usuário. Um carro duas vezes mais caro que um a combustão da mesma categoria não era atraente. Foram dezenove anos de esforço incansável, mas ainda sem reconhecimento de mercado… Eu estava muito ansioso. Mas sempre acreditei que o híbrido plug-in deveria ser a principal escolha para a maioria das famílias chinesas — e eu precisava persistir nisso, custasse o que custasse.
Com essa perseverança, a BYD lançou a Blade Battery em 2020 e a tecnologia Super DM (Dual Model) em 2021. A quarta geração da tecnologia DM, a DM-i, trouxe grandes avanços: consumo de combustível equivalente à metade de um carro convencional, aceleração superior, menor ruído e preço equivalente ao de um modelo a combustão da mesma faixa — um avanço bem recebido pelos consumidores.
Graças a essas inovações, os híbridos plug-in e os veículos totalmente elétricos tornaram-se os dois pilares de crescimento da BYD.
3. Estratégia de integração vertical e suas evoluções
Na indústria automotiva, reduzir custos e aumentar a eficiência são objetivos centrais. Para viabilizar os veículos de energia limpa em larga escala, a BYD precisou avaliar cuidadosamente esses fatores. A integração vertical da cadeia de suprimentos foi uma de suas estratégias de sucesso.
A BYD produzia internamente quase todos os componentes dos carros — com exceção dos pneus e dos vidros. Essa abordagem permitiu à empresa sobreviver no período de 2003 a 2010, fabricando internamente peças, moldes e chips. No entanto, entre 2011 e 2017, o modelo pressionou fortemente as finanças da empresa.
A partir de 2017, a BYD passou a adotar uma abordagem mais flexível, comprando componentes de fornecedores qualificados e fornecendo suas baterias para grandes montadoras como Great Wall, BAIC e GAC. A empresa também tentou separar algumas unidades. Em 2018, chegou a anunciar que sua divisão de baterias seria desmembrada e listada entre 2022 e 2023 — o que acabou não acontecendo.
Embora a BYD tenha prometido mais abertura em 2018, com a disparada nas vendas de veículos de energia limpa a partir de 2021, voltou a concentrar a produção dos componentes principais para uso próprio.
Quando os subsídios do governo chinês terminaram em 2022, a BYD já havia consolidado sua posição competitiva. Em 2023, as vendas da empresa superaram três milhões de unidades, tornando-a líder global em veículos elétricos. A BYD também é uma das poucas montadoras de energia limpa no mundo que operam com lucro.
N.E.: No Brasil, a BYD lidera as vendas tanto de carros elétricos, com share de 77%, quanto de híbridos, 30%, segundo dados da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores no acumulado de 2025.