Sejam bem-vindos à minha segunda coluna no prestigiado portal da CKGSB, o CKGSB Knowledge no Brasil. Sou brasileiro, atualmente imerso no dinâmico ecossistema do Alibaba e trago comigo uma bagagem de experiências em multinacionais ocidentais. O propósito deste espaço é compartilharmos reflexões e insights valiosos sobre gestão, cultura e negócios, com um olhar especial para a China, e como essas realidades se entrelaçam com o nosso Brasil.

# Raízes e empreendedorismo – a saga familiar

A minha história, como a de muitos brasileiros, é tecida com fios de esperança e resiliência que cruzaram oceanos. Meus pais desembarcaram no Brasil nos anos 1970, vindos de uma Hong Kong que ainda se curava das profundas cicatrizes deixadas pela Segunda Guerra Mundial e pela invasão japonesa. Naquela época, a cidade-porto, embora vibrante, oferecia poucas perspectivas para jovens como eles, que mal haviam completado 16 anos. 

Meu avô paterno carregava a dor da perda da esposa e de três filhos durante os tempos de fome e viu uma filha ser vítima de uma explosão na escola onde estudava. Diante de um futuro incerto, ouviu falar de um país distante, vasto e cheio de oportunidades para quem estivesse disposto a recomeçar: o Brasil.

Meu pai iniciou sua jornada em Jundiaí, enquanto minha mãe encontrou seus primeiros passos em São Paulo. O destino os uniu e, após o casamento, fincaram raízes em Piracicaba, interior paulista. Foi lá que, com coragem e muito trabalho, construíram seus empreendimentos e onde eu nasci, testemunhando a força do espírito empreendedor e a capacidade de adaptação que herdei.

# Carreira global – uma perspectiva comparada na logística

Minha trajetória profissional me levou a explorar diferentes culturas corporativas antes de mergulhar no universo chinês. Trabalhei em multinacionais de origem europeia, americana e brasileira, com passagens significativas pelos Emirados Árabes e EUA, sempre no pulsante setor de logística. Essas vivências me proporcionaram uma compreensão das nuances do ambiente de trabalho ocidental. 

Em 2021, um novo capítulo se iniciou com minha entrada no Grupo Alibaba, o maior ecossistema de e-commerce do mundo. Aqui, meu foco tem sido contribuir para a transformação da experiência de compra internacional da China para o Brasil, um desafio estimulante e repleto de aprendizados. Essa transição me permitiu traçar um paralelo interessante entre os modelos de gestão.

Em empresas ocidentais, é comum a segmentação de responsabilidades. Diante de uma questão fiscal ou de TI, nos apoiamos naturalmente nos departamentos especializados. Já na cultura corporativa chinesa que vivencio, há um forte incentivo para que o profissional seja mais generalista e proativo. Espera-se que ele estude o tema, pesquise, conecte-se com pessoas – o LinkedIn ferve com essa busca por conhecimento – e encontre soluções. Ainda que isso signifique depois buscar o apoio de um especialista para refinar a execução. 

Outra diferença marcante reside na busca pela melhoria contínua. No Brasil, muitas vezes, ao atingirmos um padrão de qualidade que a maioria considera bom, tendemos a nos acomodar naquele patamar. No modelo chinês, a meta alcançada com sucesso não é um ponto de chegada, mas sim o novo ponto de partida. A partir dali, o desafio é encontrar maneiras de otimizar ainda mais, de elevar a eficiência a um novo nível. 

O senso de dono também se distingue. Enquanto no Brasil é comum ouvirmos que estamos ajudando em uma atividade, na China, a mentalidade é de que você é o dono daquela tarefa ou projeto. Sua responsabilidade é integral, e você deve mobilizar todos os recursos e buscar a ajuda necessária para garantir a conclusão. 

Até a percepção de urgência difere. Um “não tem pressa” no Brasil pode significar uma entrega em dois ou três dias. Na China, essa mesma expressão geralmente quer dizer que a solução não precisa ser instantânea, no sentido de “para os próximos cinco minutos”, mas espera-se uma apresentação ou um progresso significativo ainda no mesmo dia.

# Mergulho cultural – valores em contraste

Essas diferenças no ambiente de trabalho são reflexos de valores culturais profundamente enraizados. A sociedade chinesa é marcada por uma intensa competitividade. Desde muito cedo, as pessoas são incentivadas e treinadas para aprender constantemente, para performar em alto nível e para se desafiar continuamente. 

Essa busca incessante por excelência reverbera na infame cultura “996”, um regime de trabalho que vai das 9 da manhã às 9 da noite, seis dias por semana. Para muitos, isso implica passar a semana longe da família, encontrando-a apenas nos fins de semana. É um contraste notável com o estilo de vida valorizado no Brasil, onde os happy hours e encontros com amigos durante a semana são parte importante do equilíbrio entre vida pessoal e profissional. 

As consequências sociais dessa cultura de alta performance também são visíveis. Com o tempo escasso, muitos jovens chineses optam por ter um gato como animal de estimação, pela menor demanda de cuidados, e os casais, apenas um filho. 

Compreender como esses valores – a dedicação extrema ao trabalho, a busca incansável por superação e uma visão coletiva focada no progresso – moldam as práticas de gestão e o dia a dia nas empresas chinesas é crucial para quem deseja navegar com sucesso nesse mercado.

# Aprendizado

A jornada que se iniciou com o legado empreendedor de meus pais à imersão na cultura corporativa chinesa revela um mosaico de contrastes e aprendizados. As diferenças entre os modelos de gestão ocidental e oriental, especialmente no que tange à autonomia, metas, responsabilidade e urgência, são significativas e impactam diretamente a forma como os negócios são conduzidos. 

Entender essas nuances culturais e seus reflexos no ambiente de trabalho não é apenas um exercício de curiosidade, mas uma necessidade premente para executivos e empresas que buscam construir pontes e prosperar na interação com o gigante asiático. 

Espero que esta reflexão tenha sido proveitosa. Nas próximas colunas, continuaremos a desbravar outros fascinantes aspectos da gestão e dos negócios no Oriente. Até breve!

Diretor de operações do Alibaba Group no Brasil, William Tang é graduado em engenharia mecatrônica/automação pela Universidade de São Paulo e pós-graduado em gestão de projetos, marketing e com MBA cxecutivo em instituições de ponta.