Sustentabilidade e ESG são preocupações crescentes no mundo corporativo. No entanto, a forma como essas questões são priorizadas e abordadas em diferentes organizações e regiões varia muito. Na China, muitas das metas relacionadas a ESG focam em meio ambiente e, em particular, no impulso do país para a descarbonização, orientado pela dupla meta nacional em relação ao gás carbônico: atingir o pico de emissões antes de 2030 e ser um país neutro em carbono em 2060.

Nesse contexto, a importância da sustentabilidade para os negócios fica cada vez mais clara. O problema é que muitos ainda patinam com a falta de conhecimento sobre o assunto ou de uma real adesão a esse compromisso, o que vem retardando o progresso nesse campo.

Nesta entrevista à CKGSB Knowledge, Siyao Jiang, sócio-diretor da consultoria global em sustentabilidade ERM, da China, discute os conceitos de ESG e sustentabilidade, os requisitos regulatórios implantados por diferentes governos, organizações e reguladores de mercado e os desafios e oportunidades subsequentes para empresas que buscam operar de forma sustentável no mercado internacional.

Qual é o nível de conscientização de empresas chinesas em relação à sustentabilidade e como isso varia entre as nacionais e as internacionalizadas?

Jiang –  Para as organizações chinesas, existe um espectro muito amplo em termos de sustentabilidade e conscientização em ESG. De um lado estão as entidades puramente focadas na economia doméstica, que estão em estágios bastante iniciais de sua jornada de sustentabilidade, cuja compreensão de ESG permanece se limita a produzir relatórios para satisfazer stakeholders, carecendo de questões substantivas. No outro extremo do espectro, as organizações chinesas envolvidas na nova economia, tanto as domésticas como as internacionalizadas, levam isso muito mais a sério porque enfrentam uma pressão crescente dos mercados de capitais ou dos consumidores – muitas vezes de ambos.

Até que ponto os requisitos ESG ou de sustentabilidade para operar um negócio na China mudaram nos últimos anos? Como se comparam aos internacionais?

Jiang – Existe um conjunto de normas internacionais que a maioria das empresas tem de seguir, mas também há elementos independentes de cada país. A regulamentação ambiental, por exemplo, varia de país a país – e a da China é bem rigorosa. 

Enquanto o elemento “E” do ESG é mais mensurável e quantificável, os elementos “S” e “G” tendem a ser mais ambíguos, apesar de essas considerações sociais e de governança terem impacto substancial em longo prazo. Se não forem bem feitos, no lugar e no momento certos, será muito difícil remediar em um estágio posterior. É por isso que a ERM emprega especialistas como sociólogos, arqueólogos e antropólogos para ajudar a lidar com essas questões nas empresas.

“A regulamentação ambiental, por exemplo, varia de país a país – e a da China é bem rigorosa” 

Outra observação sobre elementos de sustentabilidade universais é a convergência de padrões internacionais, como o recém-lançado ISSB (International Sustainability Standard Board), que se tornaria parte dos padrões contábeis IFRS (International Financial Reporting Standards). Uma das características mais notáveis do ISSB é a incorporação de mudanças climáticas e soluções baseadas na natureza, na forma de divulgações TCFD (Taskforce on Climate-Related Financial Disclosures) e TNFD (Taskforce on Nature-Related Financial Disclosure).

Embora as questões ambientais sejam fáceis de compreender, como você explicaria os fatores que compõem as questões sociais e de governança?

Jiang – É um problema bem abrangente, mas que pode ser muito específico em cada setor. Para começar, quando falamos de governança em empresas de tecnologia, como data centers, a privacidade de dados é um tópico muito importante. 

E, claro, para a organização, a governança corporativa, a separação do conselho e da administração, a remuneração, as auditorias e a gestão de riscos, entre outras questões, são relevantes para o “G” em ESG. Dito isso, a manifestação exata desses elementos é muito particular a cada setor.

Em termos de questões sociais, existem alguns tópicos comuns que a maioria das empresas enfrenta e que eu diria que são os resultados em termos de conformidade social. Um deles tem a ver com as condições de trabalho e o desenvolvimento do capital humano, e é por isso que as organizações têm departamentos de RH. A outra é a segurança no trabalho, regida por diversas regulações e políticas das empresas.

“Uma ação que vem dos líderes seniores é muito difícil de disseminar. A mudança precisa trafegar nos dois sentidos: de cima para baixo e de baixo para cima”

Há também considerações de um nível superior, que incluem abordagens ou áreas de negócio mais ativas e impulsionadas pelo impacto social, como a requalificação, as microfinanças ou a redução da pobreza. 

Outra grande questão social é o reassentamento. Para construir uma estrada, por exemplo, é preciso mover casas para longe de sua localização original, e muitos bancos comerciais internacionais e bancos multinacionais de desenvolvimento têm regras, chamadas de Equator Principles, sobre como lidar com essa situação e compensar as pessoas.

Quais são as barreiras comuns relacionadas a ESG enfrentadas por empresas que desejam entrar em um novo mercado? Pensando tanto nas chinesas que buscam sair como nas estrangeiras que chegam à China?

Jiang – O primeiro desafio é obter uma adesão genuína aos conceitos. Já trabalhamos com empresas que querem apenas fazer o mínimo e riscar itens da lista, mas também temos clientes com uma forte motivação interna e orgânica para fazer a coisa certa. E isso faz uma enorme diferença.

O segundo desafio é a diferença de país para país. Existe uma regulamentação internacional acima de tudo, mas também requisitos específicos de cada lugar, que exigem especialistas locais de várias áreas para ajudar a entender as principais diferenças.

Um terceiro desafio, para empresas que têm suas especificidades, é semelhante a qualquer tipo de mudança de comportamento organizacional. Uma ação que vem de cima, dos líderes seniores, para baixo é muito difícil de disseminar. A mudança precisa trafegar nos dois sentidos: de cima para baixo e de baixo para cima. 

“A Bolsa de Hong Kong implementou requisitos obrigatórios de divulgação financeira relacionados ao clima que entraram em vigor no início de 2025, quando as empresas precisarão divulgar o risco físico e o risco de transição”

A única maneira de ter um mecanismo eficaz no sentido de baixo para cima é implementar um sistema de incentivo bem projetado, ou sistema orientado por KPIs [indicadores-chave da empresa]. Isso permite que quem está no dia a dia da operação realmente veja benefícios, financeiramente ou de outra forma.

Além disso, ESG é uma espécie de palavra da moda e, na verdade, abrange uma gama muito ampla de itens. Questões ambientais e sociais podem estar relacionadas a praticamente qualquer coisa. Dessa forma, o conceito é facilmente compreendido, mas difícil de implementar em nível operacional.

Como uma consultoria, a ERM aconselha empresas internacionais sobre a conformidade com os regulamentos de EHS (meio ambiente, saúde e segurança) na China e ajuda os clientes chineses a cumprir as regras do país anfitrião em seus investimentos no exterior. Além disso, ajudamos clientes chineses a entender e se alinhar com as estruturas internacionais de ESG para acessar mercados de capitais e clientes internacionais.

Como os requisitos ESG e de sustentabilidade dos mercados financeiros estão mudando na China?

Jiang – Hong Kong é definitivamente uma ponta de lança na região da Grande China. A Bolsa de Hong Kong tem oito padrões relacionados ao meio ambiente e quatro ligados a questões sociais, bem como alguns padrões de governança. 

Além disso, a Bolsa de Hong Kong implementou requisitos obrigatórios de divulgação financeira relacionados ao clima, que entraram em vigor no iníciode 2025, quando as empresas passam a ter de divulgar o risco físico e o risco de transição.

O risco físico é basicamente quanto dinheiro você perderá se seu ativo ficar encalhado por causa de um desastre natural. O risco de transição é semelhante, mas está ligado ao risco e às oportunidades impulsionadas por mudanças nas políticas durante uma transformação rumo a um futuro de baixo carbono e mais favorável ao clima.

As empresas listadas precisam quantificar ambos os riscos para os investidores. 

“Tanto os investidores em dívida como os de capital colocaram ênfase significativa na due diligence ESG, no pré-investimento e no monitoramento do desempenho ESG”

Os mercados de Singapura e da Europa também são muito rigorosos nessas áreas. Embora o requisito obrigatório de divulgação ESG nas bolsas de valores de Xangai e Shenzhen pareça ser menos rigoroso se comparado a suas contrapartes offshore, está aumentando – e não demorará muito para que empresas listadas na China continental cumpram um conjunto semelhante de requisitos de divulgação.

Também trabalhamos extensivamente com grandes investidores em ações, na forma de fundos de private equity, venture capital e infraestrutura, e em dívidas, como bancos comerciais e de investimento, bancos multilaterais de desenvolvimento e agências de crédito à exportação. 

Tanto os investidores em títulos de dívida como os investidores de capital de risco colocaram ênfase significativa na due diligence ESG, no pré-investimento e no monitoramento do desempenho ESG e na criação de valor por meio de melhorias pós-investimento.

Como você defende a sustentabilidade em um contexto de negócios?

Jiang – Diferentes empresas estão em diferentes estágios de maturidade em sua jornada ESG, por isso não forçaremos pessoas ou organizações a fazer escolhas, a menos que sintam que é a coisa certa a fazer – e a educação pode ajudar muito nesse caso.

Para o nosso negócio, o mercado é grande o suficiente. Portanto, se alguém quiser só fazer um relatório ESG, há muitas empresas locais ou concorrentes que podem fazer isso a um preço muito menor. 

Mas, se você realmente quer enfrentar o cerne da questão, pintamos um quadro do problema e indicamos diferentes caminhos a seguir. Podemos mostrar o que provavelmente acontecerá em um período de cinco a dez anos, dependendo das decisões tomadas, e fazer a análise de custo-benefício de vários investimentos em diferentes áreas em diferentes períodos de tempo.

“ESG é um dos raros tópicos em que não importa de onde você é, é um valor fundamental com o qual todos concordamos em algum grau de intensidade”

Isso se reflete na nossa abordagem para operacionalizar a sustentabilidade. Nosso lema é “Boots to Boardroom” (ou “do chão de fábrica ao conselho de administração”). Isso significa que, enquanto buscamos experiência de projeto em primeira mão, que se propague de baixo para cima, conduzimos simultaneamente uma abordagem de estratégia de cima para baixo para incorporar o ESG em todas as funções-chave da operação de negócios e alavancar mudanças de comportamento organizacional em estratégia, marketing, recursos humanos, P&D e finanças.

De que forma você acha que as tendências em ESG vão mudar na China nos próximos anos?

Jiang – Se você ler o discurso feito pelo presidente Xi Jinping no 20º Congresso do Partido em 2022, ele usou quase 60 palavras relacionadas ao meio ambiente, incluindo meio ambiente, carbono e conservação ecológica, mais de 90 palavras relacionadas a questões sociais, incluindo rural, educação e saúde, e muitas palavras relacionadas à governança, como anticorrupção. 

É claro que, no contexto chinês, há uma ênfase diferente no ESG. Grande parte da discussão ambiental foi centrada na descarbonização, enquanto os tópicos relacionados ao social enfatizaram a economia rural, o redesenvolvimento e a redução da pobreza. O combate à corrupção foi o foco principal em termos de governança.

Também há ecos aqui da antiga filosofia chinesa e taoísta, das ideias de que todos devem ser capazes de viver uma vida decente. Esse é um tema relacionado a ESG e também, eu acho, universal. Na Europa, há muitas maneiras de analisar o desenvolvimento ESG por meio de princípios cristãos, por exemplo.

ESG é um dos raros tópicos em que não importa de onde você é, é um valor fundamental com o qual todos concordamos em algum grau de intensidade. Acho que as empresas chinesas estão atualmente em uma jornada de conversão ESG. Existem diferentes níveis de adesão, mas com um business case convincente e custos e benefícios relativamente controláveis, que superem esses custos, qualquer empresa fará a escolha por ter um impacto positivo.

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Patrick Body é redator da CKGSB Knowledge.