Na onda de transformação econômica global e da revolução tecnológica, os unicórnios atraem atenção em todos os setores por serem exemplos de crescimento impulsionado pela inovação.

Mas como unicórnios conseguem crescer em um ambiente marcado pela incerteza econômica global? Em uma era de avanços tecnológicos acelerados, quais setores ainda têm potencial para ser foco de capital e inovação? Diante da crescente concorrência internacional, como os unicórnios chineses podem alcançar avanços?

O professor Teng Bingsheng, da Cheung Kong Graduate School of Business, apresentou a palestra principal da 16ª Startup 100 Future Unicorn Conference, em 2024. Nessa apresentação – intitulada “O ecossistema global de unicórnios sob uma perspectiva de longo prazo” –, ele fez uma análise aprofundada das tendências atuais de sobrevivência e desenvolvimento de unicórnios no contexto global. 

Bingsheng explorou o papel crucial da mentalidade de longo prazo e das novas forças produtivas no crescimento de unicórnios e compartilhou suas observações e reflexões sobre o desenvolvimento dessas empresas em meio à concorrência global.

Ele destaca que, apesar do ambiente econômico desafiador, unicórnios continuam apresentando um bom desempenho geral, evidenciado por três grandes tendências: rápida inovação tecnológica, globalização e diversificação. 

Setores como inteligência artificial, manufatura inteligente e transporte automotivo tornaram-se muito atraentes para investimento. Em uma perspectiva de longo prazo, o capital paciente tende a fomentar a inovação disruptiva, enquanto a construção de nichos estratégicos tem se mostrado especialmente crítica.

Em uma versão condensada de sua palestra, aprendemos que os unicórnios chineses estão sempre procurando novas formas de avançar em mercados e aumentar a produtividade, conforme quadro abaixo.

Em busca de novas tecnologias disruptivas

Startups devem identificar tecnologias disruptivas com potencial para impulsionar o crescimento de seus modelos de negócio. Nesse processo, é essencial observar:

  • Quais modelos podem se adaptar ao mercado.
  • Quais vantagens podem criar barreiras competitivas.
  • Como estabelecer pontos de controle estratégico e fossos defensivos.

 Esses são os aspectos mais importantes na construção do ecossistema de uma startup.

Três principais tendências dos unicórnios

Apesar da desaceleração do crescimento econômico, o desempenho geral das startups unicórnio continua equivalente ao de 2023, com resultados ainda mais fortes no terceiro trimestre de 2024. 

O valor total dessas empresas superou o nível do ano anterior. Embora a economia global não tenha experimentado uma recuperação em formato de “V”, ela se encontra atualmente em uma fase estável em “L”, com políticas centrais mantendo-se constantes. Como diz o ditado, “paciência é a chave”, e, do ponto de vista do capital de risco, um ambiente estável é uma boa notícia.

A distribuição das empresas unicórnio no terceiro trimestre de 2024 revela alguns padrões: apesar das grandes diferenças nos valores de financiamento entre projetos, o setor automobilístico, embora tenha registrado menos negócios, atraiu um volume significativo de capital. Inteligência artificial, manufatura inteligente e transporte automotivo foram os três setores predominantes, liderando claramente os fluxos financeiros.

Em nível global, a distribuição dos fluxos financeiros para unicórnios no terceiro trimestre de 2024 mostra que os setores de IA e serviços empresariais dominaram, refletindo as áreas de maior concentração de investimentos.

Além disso, as listas dos dez principais unicórnios globais e chineses permaneceram relativamente estáveis, sem grandes oscilações. No cenário internacional, China e Estados Unidos continuam dominando, mantendo o panorama global inalterado.

Embora a onda da IA tenha impulsionado o surgimento de novos players no campo dos semicondutores, as empresas líderes ainda são as gigantes já conhecidas, demonstrando um nível considerável de estabilidade.

No mercado chinês, os unicórnios apresentam três tendências principais:

  1. Inovação tecnológica: prioridade estratégica nacional para a China. A competição tecnológica entre China e Estados Unidos tem sido e continuará sendo o foco principal da última e da próxima década. Autonomia e insubstituibilidade das empresas chinesas tornaram-se pontos críticos para manter a liderança. Para unicórnios e futuros unicórnios, a competitividade tecnológica é a base mais essencial para o crescimento.
  2. Globalização: um fenômeno ativo e passivo. Unicórnios costumam agir de forma proativa na expansão internacional, enquanto empresas tradicionais de manufatura geralmente são forçadas a realocar a produção ou transferir cadeias de suprimentos para o exterior. No entanto, os unicórnios lideram a globalização de forma intencional e estratégica.
  3. Diversificação: tornou-se um caminho essencial de crescimento nos últimos anos. Unicórnios buscam novas curvas de crescimento com base em seus negócios já estabelecidos. Casos como Xiaohongshu (Little Red Book, rede social chinesa) e JD Technology (empresa chinesa de comércio eletrônico) mostram que suas segundas e terceiras curvas de crescimento estão emergindo muito mais rapidamente do que antes, consolidando essa como uma das principais tendências do setor.

Os setores de IA e semicondutores são, sem dúvida, os dois núcleos centrais do momento, e muitos dos unicórnios mais recentes estão concentrados nessas áreas.

Longoprazismo: preparando-se para o futuro 

Diante do cenário econômico desafiador, uma visão de longo prazo se torna ainda mais crucial. Para empresas de private equity (PE), essa perspectiva já é inerente, como no modelo de cooperação LP-GP, em que um contrato típico “5+2” (cinco anos mais dois de extensão) já é considerado de longo prazo. Muitos projetos em que estive envolvido sofreram atrasos, e o prazo inicial de 5+2 frequentemente foi estendido.

Essa visão de longo prazo se assemelha à globalização – uma combinação de escolhas ativas e fatores reativos, sendo que estes últimos frequentemente desempenham um papel significativo.

A adesão ao longoprazismo é um dos principais impulsionadores da inovação disruptiva, e os unicórnios orientados para essa visão frequentemente enfatizam fortes conexões com os usuários finais (C-end). Em 2023, 62% dos unicórnios globais tinham algum tipo de modelo B2C. Embora o core business de muitos não seja exclusivamente C-end, o foco em resultados práticos é uma prioridade. No caso da IA aplicada, obter resultados tangíveis em manufatura inteligente, robótica industrial e serviços remotos inteligentes é muito mais viável do que desenvolver modelos de IA de grande escala.

No ambiente econômico atual, estamos vendo uma mudança para uma abordagem mais paciente e estável. Nesta era em L, cada vez mais pessoas estão dispostas a avançar de forma paciente e estratégica.

Em um estudo com 68 unicórnios chineses, os resultados revelaram que:

  • 61 empresas afirmaram que uma tecnologia única influenciou sua trajetória de desenvolvimento.
  • 65 empresas acreditam que alianças estratégicas precoces foram cruciais para seu crescimento.
  • 64 empresas mencionaram que a experiência prévia dos fundadores foi essencial para orientar os estágios iniciais da empresa.

Isso indica que dependência de trajetória e acúmulo prévio são fatores fundamentais para o desenvolvimento sustentável dessas empresas.

As empresas focadas no longo prazo geralmente têm estas características:

  • Base acionária forte.
  • Gestão altamente capacitada.
  • Cadeia industrial bem estruturada.
  • Alto investimento em P&D.
  • Forte senso de responsabilidade social.

Ao mesmo tempo, o governo chinês também está reforçando seu foco no longo prazo. Em abril de 2024, o gabinete político do Comitê Central da China propôs o fortalecimento do conceito de “capital paciente”. Na Terceira Sessão Plenária do 20º Comitê Central, realizada em julho de 2024, a expressão “capital paciente” foi repetidamente mencionada.

A resolução enfatizou a necessidade de:

  • Construir um sistema financeiro alinhado com a inovação tecnológica.
  • Fortalecer o suporte financeiro para iniciativas tecnológicas nacionais estratégicas e pequenas e médias empresas de tecnologia.
  • Aprimorar políticas de incentivo para investimentos de longo prazo, em estágios iniciais, e em hard tech.
  • Aproveitar melhor os fundos de investimento do governo ao promover o capital paciente.

O conceito de capital paciente e seu papel no investimento de longo prazo

O conceito de “capital paciente” é ainda mais amplo do que o que tradicionalmente entendemos como longoprazismo. Fundos de investimento de empresas estatais, por exemplo, têm um prazo de até 15 anos – o dobro do tempo dos fundos de investimento em ações tradicionais. Esse design de longo prazo é inédito e demonstra uma grande inovação.

Algumas empresas estatais conseguiram até mesmo emitir títulos com vencimento entre 10 e 15 anos a uma taxa de juros inferior a 2,65%, o que estende todo o ciclo de investimento. Nesse processo de longo prazo, precisamos gradualmente abandonar a mentalidade de busca rápida por lucro para melhor nos adaptarmos ao ambiente macroeconômico atual.

Nos últimos anos, as empresas estatais aumentaram significativamente seus investimentos em setores emergentes estratégicos, levando a um salto qualitativo. Em todo o ecossistema de capital de risco, a participação do capital estatal desempenhou, sem dúvida, um papel estabilizador na manutenção do equilíbrio.

Algumas empresas emergiram com sucesso graças ao longo prazo e ao capital paciente, o que nos dá maior confiança de que investimentos de longo prazo, embora desafiadores, são viáveis.

Teng Bingsheng

Diante desse cenário, vemos alguns exemplos notáveis. Um caso recente é o enorme sucesso do videogame Black Myth: Wukong. Em 2007, o CEO da Game Science, Feng Ji, criticou o setor de jogos na China em um longo artigo intitulado “Who Killed our Games”, apontando que o fracasso dos jogos de mundo aberto se devia à ganância e à visão de curto prazo do capital, que levaram à falta de qualidade nos produtos.

Em 2024, porém, vimos “Black Myth: Wukong” alcançar um enorme sucesso. O jogo levou sete anos para ser desenvolvido, com um custo de desenvolvimento por hora de gameplay atingindo entre 15 e 20 milhões de RMB (renmimbi, a moeda corrente da China), e um investimento total entre 300 e 400 milhões de RMB. Isso seria impossível se a mentalidade de busca rápida por lucro tivesse vigorado. O que observamos é que algumas empresas emergiram com sucesso graças ao longo prazo e ao capital paciente, o que nos dá maior confiança de que investimentos de longo prazo, embora desafiadores, são viáveis.

Antes, esse tipo de investimento era muito difícil. Um dos meus alunos, por exemplo, passou 20 anos investindo em uma valiosa área florestal na província de Hainan, na China. Após duas décadas, o retorno do investimento deve ultrapassar uma taxa anualizada de 10%. No entanto, no ambiente da época, mesmo um investimento com retorno de 10% ao ano era difícil de sustentar ao longo de 20 anos. Talvez o ambiente atual tenha mudado, tornando tais decisões mais abertas e voltadas para o longo prazo.

Novas forças produtivas: a chave para a atualização industrial

O conceito de novas forças produtivas está intimamente ligado ao capital paciente. Desde a presidência de Trump, as guerras comerciais e tecnológicas entre China e Estados Unidos se intensificaram. 

Após Trump declarar vitória nas eleições presidenciais dos EUA em 6 de novembro de 2024, várias medidas de bloqueio tecnológico contra a China foram discretamente implementadas. Se tais planos já estão sendo iniciados antes mesmo de sua posse, podemos prever um ambiente competitivo ainda mais desafiador durante seu segundo mandato.

Muitos ainda subestimam Trump após seu primeiro mandato, considerando-o apenas um homem de negócios que pode resolver questões por meio de negociação, ignorando seus valores e lógica subjacentes. No entanto, acredito que, ao assumir um segundo mandato, muitas coisas mudarão. 

Na China, embora o setor de serviços também domine, representando 63,8% dos unicórnios, a proporção da indústria não deve ser subestimada, atingindo 35,68%.

Teng Bingsheng

Por exemplo, ele pode resolver a questão da Síria sem um conflito direto e forçar a retirada da Rússia – isso seria apenas o começo. Embora não possamos prever o desfecho final do conflito entre Rússia e Ucrânia, minha recomendação é não subestimar os desafios de “Trump 2.0” – especialmente nas áreas de tecnologia e comércio.

A China enfrenta um cenário econômico cada vez mais complexo, e isso exige um foco maior no desenvolvimento de novas forças produtivas. Nos Estados Unidos, sete grandes empresas de tecnologia geraram imenso valor, enquanto muitas das principais empresas chinesas ainda estão concentradas no setor B2C, com tecnologias tradicionais dominando. Para superar esses desafios, a China deve investir no desenvolvimento de novas forças produtivas e no suporte ao capital paciente.

Diante desse cenário, o governo está trabalhando para estabelecer a seguinte estrutura:

  • Força básica: cerca de 1 milhão de pequenas e médias empresas (PME) inovadoras, altamente especializadas e com forte capacidade de desenvolvimento.
  • Força central: cerca de 100 mil PME especializadas, refinadas, distintas e inovadoras, com alta eficiência e qualidade.
  • Força pivotal: cerca de 10 mil empresas em setores-chave da cadeia industrial, com inovação excepcional.

Se conseguirmos formar essa matriz ecológica e estrutura piramidal, haverá uma oportunidade para cooperação de longo prazo com o ecossistema de inovação dos Estados Unidos.

Nesse processo, as “empresas gazela”, com com forte capacidade de inovação, crescimento rápido e um ciclo de desenvolvimento curto, são os futuros unicórnios. O conceito de “empresas gazela” foi apresentado pelo professor de economia David Birch, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). 

As gazelas são caracterizadas por seu pequeno porte, excelente velocidade de corrida e habilidade de salto, simbolizando pequenas e médias empresas com altas taxas de crescimento e grande potencial de expansão. Birch define as empresas gazela a partir de duas dimensões: seu tamanho inicial e sua taxa de crescimento sustentado.

As startups em estágio inicial, apesar do rápido crescimento, também são extremamente frágeis – e muitas falham no chamado “vale da morte”. Portanto, é necessário apoiar essas empresas gazela de diversas formas. “Investir cedo, investir pouco e investir bem” é uma tarefa quase impossível. Assim, equilibrar investimentos iniciais de pequeno porte, garantindo ao mesmo tempo a qualidade do investimento, exige um alto nível de especialização por parte dos investidores e um suporte governamental preciso.

Enquanto unicórnios dos Estados Unidos são mais ativos em áreas como blockchain e moedas digitais, a China já superou os americanos em setores como inteligência artificial, manufatura avançada e transporte automotivo.

Teng Bingsheng

Em uma perspectiva de longo prazo, a construção de um nicho estratégico torna-se crucial. Para as empresas empreendedoras, é fundamental identificar tecnologias disruptivas com potencial de crescimento e experimentá-las. Com base nessas experimentações, elas podem gradualmente avançar na execução e expansão de seus modelos de negócios. 

Nesse processo, é essencial observar quais modelos conseguem se adaptar ao mercado, quais vantagens podem formar barreiras competitivas e como construir pontos de controle estratégicos e fossos defensivos. Esses são alguns dos fatores mais importantes no ecossistema.

Observando o desenvolvimento das empresas unicórnio no ecossistema global, a China continua firmemente em segundo lugar, sem que a diferença entre China e Estados Unidos tenha se ampliado ainda mais. Acredito que isso representa uma oportunidade. Em 19 de junho de 2024, o ranking estava assim:

1 – Estados Unidos, com 662 unicórnios com valor total de mais de US$ 2,153 trilhões.

2 – China, com 169 unicórnios, avaliados em US$ 641,7 bilhões.

3 – Índia, com 71 unicórnios, avaliados em US$ 192,24 bilhões.

Embora as áreas de foco dos dois países sejam diferentes, após anos de desenvolvimento e esforços coletivos, a China agora está em posição de competir em igualdade de condições com os Estados Unidos.

Em termos da distribuição de unicórnios por setores, nos Estados Unidos 91% dos unicórnios estão no setor de serviços, 8% na indústria e apenas 1% no setor primário (recursos naturais). Essa é uma característica típica de países e regiões economicamente desenvolvidos, onde o setor de serviços domina. No caso dos unicórnios – que demandam capital intensivo –, essa distribuição está alinhada com as expectativas do mercado financeiro.

Na China, embora o setor de serviços também domine, representando 63,8% dos unicórnios, a proporção da indústria não deve ser subestimada, atingindo 35,68%. Isso reflete claramente a vantagem abrangente da China como uma potência industrial. De certa forma, a combinação dos setores primário, secundário e terciário da China pode torná-la mais competitiva.

Olhando para o futuro, as empresas chinesas precisam encontrar suas vantagens únicas dentro do ecossistema global. Enquanto unicórnios dos Estados Unidos são mais ativos em áreas como blockchain e moedas digitais, a China já superou os americanos em setores como inteligência artificial, manufatura avançada e transporte automotivo. 

No geral, a posição da China no ecossistema global de inovação continua forte. Com políticas regulatórias precisas para estabilizar os mercados imobiliário e de ações, acredito que o setor de capital de risco sairá de seu período de inverno e entrará em uma primavera de oportunidades nos próximos anos.

*Este artigo foi preparado pela redação de CKGSB Knowledge com base na palestra de Teng Bingsheng.

Para ler o conteúdo original em inglês, clique aqui
Professor de gestão estratégica, vice-reitor de pesquisa estratégica e diretor do centro de pesquisa do New Generation Unicorn Global Ecosystem Research Center da Cheung Kong Graduate School of Business.