Quando o Baidu lançou seu chatbot de IA, em março de 2023, havia um clima de ceticismo na plateia, pois a demonstração do modelo de linguagem grande (LLM) não foi ao vivo, e sim pré-gravada.

Apesar desse constrangimento, Apple e Samsung agora utilizam a IA do Baidu – o principal provedor de motores de busca da China – em muitos de seus celulares à venda nas lojas chinesas. No entanto, essa IA ainda não conseguiu se distinguir de seus concorrentes nem concretizar sua penetração no mercado internacional.

O Baidu é uma das três gigantes tecnológicas históricas da China, conhecidaxs como BAT – Baidu, Alibaba e Tencent. Embora seja a menor das três, é uma empresa de tecnologia importante no cenário mundial. Mas tem feito menos sucesso internacional e enfrenta várias barreiras consideráveis para avançar de forma expressiva.

“O Baidu se estabeleceu confortavelmente como o principal motor de busca da China e uma das maiores empresas de tecnologia do país”, explica Tom Nunlist, diretor associado da Trivium, consultoria e empresa de pesquisa focada na China. “A empresa deixou claro que vê um caminho futuro na IA.”

O Baidu é uma das três gigantes tecnológicas da China, mas tem feito menos sucesso internacional e enfrenta várias barreiras consideráveis para avançar de forma expressiva.

No entanto, a chinesa ainda não conseguiu se distinguir realmente de seus concorrentes. “O Baidu tem um histórico de tentar se expandir para outros mercados e falhar”, diz um analista de tecnologia radicado na China, que preferiu não ser identificado. “A grande questão é se pode aprender com os erros cometidos em experiências anteriores no mercado e alcançar proeminência.”

Critérios de busca 

Fundado em 2000 pelos empreendedores Robin Li e Eric Xu, o Baidu foi uma das primeiras empresas de internet da China, e oferece serviços de motor de busca para usuários chineses. A empresa cresceu rapidamente, e em 2010 já havia se tornado o principal motor de busca do país por uma grande margem (o Google, por sua vez, foi banido na China em 2010).

Em setembro de 2021, o Baidu controlava 82,5% do mercado e tinha cerca de 580 milhões de usuários ativos mensais. Seu maior concorrente chinês, o Sogou, detinha apenas 7,6% de participação de mercado. Em fevereiro de 2024, o Baidu foi avaliado em US$ 36 bilhões. Para comparação, o Tencent vale US$ 455,53 bilhões, e o valor do Google ultrapassa US$ 2 trilhões.

“O motor de busca tem sido seu pilar desde o início”, diz Kai Wang, analista sênior de ações da Morningstar. “Ele é o núcleo de sua receita, e traz cerca de 80% a 85% do faturamento, principalmente por meio de publicidade online.”

A empresa também oferece uma série de produtos menores, como o Baidu Core, um ecossistema móvel da empresa que inclui aplicativos como o Baidu App, sua nuvem de IA e outros serviços de IA, além da plataforma de vídeos curtos Haokan. O iQIYI, adquirido pelo Baidu em 2012, é um serviço de entretenimento online frequentemente comparado à Netflix, com streaming de vídeo, incluindo conteúdo original da plataforma e outras produções profissionais.

O Baidu costuma gastar de 20% a 25% de seu orçamento em P&D. Mas, à medida que outras empresas avançam na corrida da IA na China, o desempenho das ações do Baidu tem ficado atrás.

“Houve muitos exemplos de tentativas de copiar um incumbente do mercado e não conseguir acertar”, afirma o analista. “O Baidu tentou o comércio eletrônico e o delivery de comida, mas em seguida saiu rapidamente desses setores.” A empresa fechou sua empreitada em comércio eletrônico – o Youa – em maio de 2024, por não conseguir ganhar tração contra o Taobao, do Alibaba.

O Baidu agora foca fortemente em ferramentas de IA, e o ERNIE Bot (chatbot de IA lançado em 2023) é sua principal aposta. As estatísticas da empresa mostram que ela costuma gastar de 20% a 25% de seu orçamento em P&D – embora isso também inclua o iQIYI. Mas, à medida que outras empresas avançam na corrida da IA na China, o desempenho das ações do Baidu tem ficado atrás. No final de junho de 2024, o preço das ações do Baidu na bolsa de Nova York havia caído cerca de 36% em relação ao ano anterior, enquanto as ações da Microsoft e do Google haviam crescido quase 50%.

“O desenvolvimento de IA definitivamente é o foco para eles”, diz Nunlist. “Mas o mesmo pode ser dito para as outras empresas BAT, assim como para várias startups menores.”

As operações do Baidu estão concentradas na China, mas a empresa marca presença (pequena) em outros lugares. O Baidu possui um centro de P&D de US$ 300 milhões no Vale do Silício, criado em 2014 para fazer pesquisas em IA, principalmente em software para veículos autônomos.

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A importância da IA para o futuro da economia global é um fenômeno bem compreendido. No primeiro trimestre de 2024, a receita do Baidu com serviços de IA generativa alcançou ¥656 milhões (US$ 90,39 milhões), representando apenas 2% da receita total da empresa. O projeto de IA mais proeminente da companhia é o ERNIE bot, e uma nova iteração do LLM, o ERNIE Bot 4.0, foi lançada em outubro de 2023, contendo atualizações como a compatibilidade com o inglês.

O chatbot teve um nível razoável de sucesso, com mais de 200 milhões de usuários desde seu lançamento. Em comparação, o ChatGPT tinha cerca de 627 milhões de usuários mensais em junho de 2024. “As margens brutas no primeiro trimestre de 2024 subiram um pouco, o que é algo surpreendente, mas os custos da IA diminuem à medida que você consegue reduzir a quantidade de dados que precisa inserir nela”, explica Wang. “Ao mesmo tempo, eles ainda não conseguiram monetizar realmente o lado do consumidor, então essa é uma opção.”

No terceiro trimestre de 2023, o número de clientes corporativos do ERNIE Bot aumentou mais de 150% em relação ao ano anterior, atingindo 26 mil, e o Baidu firmou parcerias com grandes empresas para aumentar sua presença.

Em março de 2024, a Apple, que atualmente enfrenta queda de vendas na China, anunciou que as versões chinesas do iPhone 16, MacOS e iOS18 virão com os serviços do ERNIE Bot embarcados – assim como os smartphones Galaxy S24 da Samsung. O Baidu também fechou parcerias para fazer o mesmo com laptops e tablets da Lenovo – a seguir virão os smartphones.

Em termos de experiência do usuário e resultados de buscas, o ERNIE Bot (assim como outros modelos de IA) se mostrou um tanto inconsistente. Em alguns casos, isso pode ser resultado da barreira linguística – uma solicitação em inglês para um haikai resultou em um poema de nove linhas, enquanto a mesma instrução em chinês retornou um resultado bem-sucedido de 14 sílabas. Mas, dada a necessidade de precisão, tais erros são relevantes.

O Baidu também tem outros projetos de IA. O Comate, um assistente de programação com IA lançado em 2023, tem cerca de 10 mil usuários corporativos.

Há vários concorrentes no espaço de IA da China, incluindo Zhipu e Moonshot.ai, que oferecem funcionalidades semelhantes ao ERNIE Bot. Mas nenhum parece se destacar em termos de experiência do usuário e resultados.

“A partir de discussões anedóticas com vários usuários de IA chineses, vemos uma ampla mistura de preferências”, diz Wang. “Alguns preferem o Zhipu; outros, o Baidu. E tem quem prefira o Moonshot.ai. Ainda é difícil dizer quem são os claros vencedores.”

O Baidu também tem outros projetos de IA. O Comate, um assistente de programação com IA lançado em 2023, foi usado em operações comerciais da própria empresa, respondendo por 27% da base de código adicionada recentemente até abril de 2024. O Comate tem cerca de 10 mil usuários corporativos, incluindo o aplicativo de podcast Ximalaya e a Shanghai Mitsubishi Elevator. Existem também três versões menores do ERNIE (Speed, Lite e Tiny) para diferentes aspectos de assistentes em programação.

Com a recente popularidade da IA, o aplicativo de streaming de vídeo iQIYI também anunciou interesse em utilizar essa ferramenta para melhorar a eficiência da produção de conteúdo. Algumas das ideias preliminares são usar IA para imitar tomadas de múltiplas câmeras e analisar romances que poderiam virar séries ou filmes.

Outra empreitada do Baidu foi a criação de um fundo de capital de risco de US$ 145 milhões – semelhante ao OpenAI Startup Fund – para ajudar startups de IA generativa na China, e investe em mais de cem outras empresas, muitas delas focadas em fortalecer suas próprias ambições no campo da IA.

Investimento na indústria automotiva

O outro foco importante das tecnologias de IA do Baidu é a navegação. A empresa é parceira da Tesla na China há anos, fornecendo serviços de mapeamento para veículos elétricos. Em junho de 2024, a companhia anunciou a inclusão da versão 20 de seus serviços de mapeamento nos modelos da Tesla, o que provavelmente ajudará a americana a oferecer seu sistema Full Self-Driving na China. A Nissan também anunciou que irá explorar uma parceria estratégica com o Baidu.

O Baidu também tem um projeto próprio de direção autônoma com o projeto Apollo, que foca em direção autônoma com robotáxis. O projeto começou em 2017, mas tem operado com prejuízo desde então. Em Wuhan, onde os robotáxis estrearam, os serviços de direção autônoma da empresa representam apenas 1% dos pedidos diários de transporte.

“A tecnologia do Baidu está atualmente no nível L4, sendo o L5 a direção totalmente autônoma”, afirma o analista. “Eles estão numericamente próximos, mas a transição do L4 para o L5 é enorme, por isso, ainda estão bem distantes da autonomia.”

Esperando o momento certo

Apesar da mudança de foco do Baidu para a IA e de seu domínio de longa data no mercado de motores de busca, questões domésticas envolvendo reputação, acesso a tecnologias-chave e um sistema de gestão aparentemente rígido – somadas à quase total falta de presença internacional – significam que a empresa tem muitos problemas a resolver.

No caso de sua “vaca leiteira” (o setor de busca), as receitas de anúncios estão atualmente em queda. “Estão deprimidas no momento, pois deveriam crescer um pouco acima do PIB, mas subiram apenas cerca de 2% a 3% em 2023”, conta Wang.

Os ventos macroeconômicos são uma das razões dessa queda, mas o crescimento lento também é agravado pelo fato de que muitos usuários de tecnologia na China estão começando a buscar informações em outros lugares, particularmente em aplicativos de mídia social, como o Xiaohongshu, semelhante ao Instagram.

Outro motivo para a queda da reputação e confiabilidade parece ser a decisão do Baidu de priorizar a rentabilidade em detrimento da usabilidade. Enquanto o Google enfrenta problemas semelhantes de receitas de anúncios menores e diversificação do uso de aplicativos no resto do mundo, a empresa adotou uma abordagem mais equilibrada entre os dois, reduzindo a perda de confiança e problemas de experiência do usuário.

O Baidu corre o risco de ser ultrapassado por novas startups de IA que, ao desenvolver tecnologias, agora têm muito mais capacidade de desafiar os incumbentes na China.

“Alguns usuários estão se inclinando mais para as redes sociais, como o Xiaohongshu, para se informar, em parte devido aos padrões de uso, mas também devido à queda geral de confiança nos resultados do Baidu,” explica Ivy Yang, fundadora da agência de comunicação Wavelet Strategy e autora da newsletter Calling the Shots. “Uma reclamação comum é que os primeiros resultados de busca são preenchidos com conteúdo do próprio ecossistema do Baidu, em vez do que seria considerado o melhor resultado. O foco do Baidu na rentabilidade à custa da experiência do usuário impactou negativamente a percepção sobre a empresa.”

A chinesa também enfrenta questões organizacionais, em particular uma recente reação pública quando a chefe de relações públicas, Qu Jing, publicou vídeos no equivalente chinês do TikTok, o Douyin, glorificando a cultura de trabalho excessivo da China. Qu afirmou que não assumiria a responsabilidade pelo bem-estar de sua equipe (“porque não sou sua mãe”) e também disse que “se você trabalha em relações públicas, não espere fins de semana de folga”.

Os jovens trabalhadores da China têm expressado cada vez mais sua insatisfação com as exigências de trabalho no setor de tecnologia, em particular o modelo 996 – a expectativa de trabalhar das 9h às 21h pelo menos seis dias por semana. Embora Qu Jing tenha deixado o Baidu, suas opiniões refletem uma rigidez maior na abordagem gerencial.

“O Baidu sempre teve problemas para reter talentos, como Lu Qi, que trabalhou com o Y Combinator China, ou Andrew Ng, que também teve uma passagem pelo Baidu,” diz Yang. “Acho que o fato de o Baidu não ter conseguido manter esses talentos demonstra um problema cultural mais amplo. E não há sinais de que isso tenha mudado nos últimos anos, especialmente com a recente crise no departamento de relações públicas.”

O Baidu corre o risco de ser ultrapassado por novas startups de IA que, ao desenvolver tecnologias, agora têm muito mais capacidade de desafiar os incumbentes na China. “A IA está se tornando mais competitiva, pois empresas menores também estão entrando no setor,” relata Wang. “Curiosamente, o Zhipu acabou de receber um enorme investimento da Saudi Aramco, o que pode ser indicativo de para onde a corrida está indo.”

Problemas de imagem

A fraca expansão internacional também está se tornando um problema óbvio. Outras empresas agora estão adotando uma abordagem diferente para entrar em mercados, incluindo a América Latina. A SHEIN e a PDD (empresa de comércio eletrônico), por exemplo, tentam se distanciar de suas origens chinesas para evitar problemas de reputação.

Mesmo com atuação discreta nos mercados internacionais, o Baidu enfrentou uma série de problemas, como um processo judicial movido por investidores dos Estados Unidos em 2021, que depois foi arquivado. Eles acusaram a chinesa de fraude perante os acionistas a respeito de sua capacidade de atender a regulamentações chinesas que governam o conteúdo na internet.

“Eles mantiveram relações com analistas, mas não há mais jornalistas ocidentais que cubram o Baidu,” diz Yang. “Sem essas relações, a imagem internacional da empresa é amplamente negativa, pois as únicas histórias que são escritas são sobre os problemas. Isso, por sua vez, pode impactar a disposição dos investidores em comprar ações.”

Por fim, os ventos geopolíticos são outro grande desafio para o Baidu e outras empresas de tecnologia chinesas. Softwares de IA como o ERNIE dependem de chips de memória de alto desempenho, mas com o aumento das restrições globais aos chips semicondutores, os investidores estão preocupados com a maneira como o Baidu enfrentará esse problema. Além disso, houve preocupações sobre a ligação entre as pesquisas do Baidu e o exército chinês, o que agravou ainda mais a questão do acesso aos chips semicondutores, além da confiança no uso do produto.

Nova geração?

Dado o histórico do Baidu de entradas e saídas frustrantes em muitos novos mercados e uma estrutura gerencial aparentemente ultrapassada, existem preocupações sobre sua capacidade de se adaptar ao ambiente tecnológico em constante mudança na China. O Baidu está investindo dinheiro em novos produtos, especialmente relacionados à IA e direção autônoma, mas sempre há concorrentes mais novos e ágeis fazendo praticamente a mesma coisa.

A empresa provavelmente continuará a gerar lucros nos próximos anos, graças ao seu domínio no espaço dos motores de busca. Mas seu futuro em longo prazo não está garantido, especialmente se repetir erros passados e, consequentemente, falhar em assumir a liderança no setor de IA.

“Eles têm uma reputação, são bem conhecidos e são um dos pilares do ambiente tecnológico da China”, resume Wang. “Se o Baidu falhar em sua busca pela IA, provavelmente se tornará uma utilidade pública, com receitas de anúncios crescendo em torno da taxa do PIB, e os mercados acompanharão. Mas, sem IA, o Baidu não terá um catalisador para o crescimento futuro.”

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John Reid
John Reid é autor colaborador da CKGSB Knowledge.