Desde a abertura da China para a internet, em abril de 1994, o setor passou por um processo de desenvolvimento de 30 anos – marcado por desafios, mas também por avanços. Zhu Rui, professora de marketing da CKGSB e diretora do Centro de ESG e Inovação Social, compartilha nesta entrevista suas percepções sobre as empresas de internet e destaca como elas desempenharam um papel fundamental na solução de desafios sociais, aproveitando a tecnologia para criar soluções em larga escala.
Qual exemplo de inovação social implementada por uma empresa chinesa você considera digno de destaque?
Zhu Rui – A Tencent (multinacional chinesa de tecnologia) se destaca por ter criado uma fundação corporativa em 2007, dez anos após sua fundação. Essa iniciativa levou a projetos como a plataforma de doações da Tencent. Inicialmente, a empresa fazia doações para escolas, mas percebeu que o hardware doado nem sempre era utilizado.
O que as escolas realmente precisavam eram de professores experientes e softwares educacionais. Após uma série de explorações, a Tencent estabeleceu uma plataforma de doações online para promover o bem-estar público, que mais tarde se tornou o projeto “For the Village”, conectando as áreas rurais da China com o mundo exterior. À medida que as empresas amadurecem, também deve amadurecer sua responsabilidade.
Outras empresas também adotaram métodos inovadores para promover a inovação social. O Baidu, por exemplo, usa reconhecimento facial para ajudar pais a encontrarem filhos desaparecidos, e a Alibaba (empresa chinesa de comércio eletrônico) lançou um plano de reunião familiar para ajudar na localização de parentes perdidos.
“As empresas devem usar suas capacidades essenciais para resolver problemas sociais reais, criando valor comercial ao mesmo tempo que geram valor social – e não apenas para obter lucro.”
No entanto, a inovação também trouxe impactos negativos à sociedade. Por volta de 2017, houve diversas reportagens sobre crianças viciadas em jogos online, gerando indignação dos pais contra as empresas de jogos, que não faziam o suficiente para protegê-las.
A opinião pública muitas vezes é um fator impulsionador para que as empresas inovem em prol da sociedade. Chamo isso de “negócios para o bem” (“business for good”), o que significa que as empresas devem usar suas capacidades essenciais para resolver problemas sociais reais, criando valor comercial ao mesmo tempo que geram valor social – e não apenas para obter lucro. Em torno de 2017, vimos grandes empresas de internet começarem a considerar conscientemente o desenvolvimento sustentável e a buscar um equilíbrio entre lucro e justiça social.
Você pode compartilhar exemplos de soluções tecnológicas para problemas sociais?
Zhu Rui – Um exemplo é a plataforma de doações da Tencent, que criou um modelo inteligente para conectar diversas partes com pessoas que precisam de ajuda. Quem busca doações pode compartilhar sua história, e empresas ou indivíduos podem doar dinheiro diretamente. Além disso, é possível doar tempo e ações. A Tencent conseguiu construir um ecossistema robusto de doações, sendo que a maioria delas vem de pequenas contribuições, promovendo fortemente a cultura da filantropia na China.
Outro exemplo é o Ant Forest, criado pelo Ant Group (fintech ligada ao Alibaba), que incentiva comportamentos sustentáveis, como optar pelo metrô em vez de dirigir. Os usuários recebem “energia verde” na plataforma ao realizar ações ecologicamente corretas. Ao acumular pontos, podem plantar árvores virtualmente – e a equipe do Ant Group realmente planta essas árvores no mundo real, monitorando o processo em tempo real. Essa abordagem torna as boas ações mais envolventes e interativas.
“Quando as companhias realmente prestam atenção às pessoas e ao meio ambiente, conseguem gerar valor significativo – e esses casos são especialmente inspiradores.”
Recentemente, vi outro caso inovador: o mapa de cadeiras de rodas da Amap (empresa do Alibaba especializada em serviços de navegação). Esse recurso ajuda pessoas com mobilidade reduzida a se locomover com mais facilidade. Na China, raramente vemos usuários de cadeiras de rodas ou pessoas com deficiência visual nas ruas. Isso não significa que não existam, e sim que a infraestrutura pública não permite que se desloquem com segurança. Com essa nova funcionalidade, os usuários podem procurar rotas acessíveis e receber instruções para viajar de forma segura.
A Didi (empresa chinesa de locação de veículos) também lançou serviços de assistência à mobilidade. Usuários com deficiência visual podem se autenticar no aplicativo da Didi e receber prioridade ao pedir uma corrida. O motorista ajuda essa pessoa a entrar no veículo e ao chegar ao destino.
Muitas dessas inovações surgiram porque as empresas ouviram o feedback de clientes e funcionários. Quando as companhias realmente prestam atenção às pessoas e ao meio ambiente, conseguem gerar valor significativo – e esses casos são especialmente inspiradores.
Em que estágio está a inovação social no setor de internet na China?
Zhu Rui – Acredito que a inovação social no setor de internet está em um estágio muito empolgante de desenvolvimento. Assim como os produtos passam por estágios iniciais, desenvolvimento intermediário, maturidade e declínio, a inovação social está atualmente na fase de crescimento e amadurecimento.
Como a inovação social tem impactado as práticas das organizações chinesas?
Zhu Rui – O impacto geral tem sido muito positivo, pois introduz novos modelos e ideias, utilizando as características da internet para criar soluções escaláveis. A escalabilidade é essencial em um país com 1,4 bilhão de habitantes – para uma solução fazer a diferença, ela precisa beneficiar centenas de milhões de pessoas.
Hoje, a China enfrenta desafios em seu desenvolvimento econômico. Que sugestões você daria às empresas de internet para navegar na inovação social em meio a essas dificuldades?
Zhu Rui – Quando o crescimento econômico enfrenta desafios, a primeira coisa que as empresas devem considerar é: quais são os desafios sociais reais? Se uma empresa não nasce com uma intenção genuína e não possui uma bússola ética, será difícil ter sucesso de forma sustentável.
Esse é o ponto mais importante para todas as empresas, incluindo as de internet. Elas precisam pensar além do interesse próprio e focar em desafios sociais concretos.
Outro aspecto fundamental é evitar o foco em ganhos de curto prazo. Se uma empresa deseja se tornar respeitável e sustentável, deve adotar uma visão de longo prazo. Quando as companhias priorizam apenas o lucro imediato, surgem problemas em diversas áreas, como design de algoritmos, métodos de cobrança e aquisição de clientes.
Portanto, minha principal recomendação para o futuro das empresas de internet chinesas é que busquem ser grandes e respeitáveis. Com essa mentalidade, farão escolhas mais acertadas para a aplicação da tecnologia – e esse é o verdadeiro papel de um empreendedor.
Em essência, a indústria da internet na China reflete uma trajetória impressionante de inovação social, guiada pelo compromisso com o bem-estar coletivo e o sucesso sustentável. Ao manter o foco nos desafios reais da sociedade e agir com ética, as empresas podem continuar promovendo mudanças significativas enquanto prosperam em um cenário econômico dinâmico.