Quando voltei à China em 2013 – após passar 15 anos nos Estados Unidos e no Canadá –, uma das primeiras coisas que notei foram os altos níveis de poluição em Pequim.
Com o tempo, também vi uma série de outros desafios significativos em nossa sociedade, incluindo segurança alimentar, desigualdade no acesso à educação e oportunidades limitadas de emprego para grupos desfavorecidos. Minha reação inicial foi tentar ajudar apoiando ONGs e oferecendo meu tempo, mas eu não tinha disponibilidade em nenhuma das duas frentes.
O que eu tinha era uma plataforma na CKGSB, por meio da qual poderia promover a ideia de negócios sociais, empresas que expandem o valor social de seu core business e o integram a sua estratégia, ao desenvolvimento de negócios e à alocação de recursos para impulsionar ainda mais o sucesso comercial.
Um negócio social não se define apenas por retribuir, mas também por construir um modelo de negócios em que fazer o bem impulsiona o crescimento da receita.
Meus alunos são empreendedores do topo da pirâmide na China. Por trás de cada um deles há pelo menos uma organização e uma miríade de funcionários e suas famílias. Ocorreu-me que, se eu pudesse plantar a semente dos negócios sociais em sua mente e incentivá-los a aproveitar essa mentalidade e metodologia de negócios para contribuir para a solução de problemas sociais, o impacto seria muito maior do que o que eu poderia alcançar sozinha.
Em 2016, criei o curso eletivo Business for Good (BfG) em nosso programa de EMBA. Virou curso obrigatório em 2018 e depois se espalhou para todos os outros programas. Em 2021, lançamos um curso prático de um ano do BfG, no qual os alunos planejam e executam um projeto BfG de um ano dentro de sua empresa.
Negócios do bem
Negócios sociais viraram uma expressão da moda nos últimos anos, mas ainda não há uma definição universal para eles. É um modelo claramente diferente da filantropia corporativa tradicional.
Devido aos seus vínculos e à dependência das principais competências de uma empresa para serem bem-sucedidos, esses projetos também ajudam as organizações a alcançar maior valor comercial. Ao mesmo tempo, impulsionam o desenvolvimento sustentável e se tornam uma força importante de progresso social.
Em essência, um negócio social não se define apenas por retribuir, mas também por construir um modelo de negócios em que fazer o bem impulsiona o crescimento da receita.
Há uma série de exemplos de ex-alunos da CKGSB que demonstram a ideia:
- Uma empresa de gôndolas para mercados criou um modelo acessível para quem está usando cadeiras de rodas.
- Uma fabricante de alto-falantes inteligentes redesenhou totalmente suas embalagens para serem recicláveis – e gastar menos recursos e dinheiro.
- A JD Home Appliances, de eletrodomésticos, implantou uma área de atendimento aos clientes seniores para ajudar consumidores idosos a entender e usar melhor seus produtos.
Na China, a lógica fundamental por trás do negócio social se baseia na cultura de virtude – e se alinha com os ideais compartilhados de desenvolvimento sustentável. Embora noções familiares de caridade e ESG estejam presentes, elas se distinguem de modo significativo.
Falar em caridade normalmente nos faz pensar em doações monetárias, como as feitas à Cruz Vermelha ou outras organizações humanitárias. Também pode incluir ações como doações de produtos e trabalho voluntário, muitas vezes associados a iniciativas de bem-estar público.
A caridade é muitas vezes vista como uma obrigação moral – uma forma de redistribuir a riqueza e atender às necessidades da sociedade, mas com negócios sociais podemos mudar essa perspectiva do jogo de soma zero, em que a generosidade de uma pessoa se liga à dependência de outra, para um em que todos se beneficiam.
Quando o altruísmo impulsiona nossas práticas de negócios, abrimos caminho para uma divisão mais justa e equitativa dos benefícios.
Em vez de apenas redistribuir riqueza, negócios sociais alavancam competências essenciais para inovar e realocar recursos. Isso significa abordar as questões sociais de forma mais eficaz e criar maior valor para todos.
É como se fosse o processo de fazer o bolo crescer – em vez de apenas dividi-lo depois. Além disso, como os negócios sociais enfatizam vários stakeholders, não aumentam apenas o potencial de distribuição, mas também sua eficiência.
Doar dinheiro para ajudar alguém a atender às necessidades básicas é caridade, mas oferecer microempréstimos capacita essa pessoa a criar riqueza – e se enquadra nas atividades dos negócios sociais. Quando o altruísmo impulsiona nossas práticas de negócios, abrimos caminho para uma divisão mais justa e equitativa dos benefícios.
Os negócios sociais também têm uma relação com os conceitos de desenvolvimento sustentável e ESG. O termo desenvolvimento sustentável surgiu pela primeira vez em um relatório da Organização das Nações Unidas (“Nosso Futuro Comum”, de 1987) como um modelo que atende às necessidades presentes sem comprometer as gerações futuras, ao mesmo tempo em que protege o meio ambiente.
O verdadeiro desenvolvimento integra o crescimento econômico com duas dimensões críticas: o desenvolvimento humano, que visa reduzir a pobreza e a desigualdade, ao mesmo tempo em que melhora a educação e a saúde, e práticas sustentáveis que garantem benefícios de longo prazo para as gerações futuras.
Esse framework se baseia na visão de que o progresso social e a proteção do ambiente são tão vitais quanto o crescimento econômico. Em 2015, a ONU estabeleceu 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que representam a agenda de ação mais inclusiva de sua história, orientando os esforços globais em direção à sustentabilidade.
É importante ressaltar que esses objetivos convidam vários stakeholders a participar – não apenas governos e ONGs, mas também empresas e indivíduos, cada um encontrando suas próprias maneiras de contribuir.
No contexto do desenvolvimento internacional e das políticas nacionais, o desenvolvimento sustentável influencia diretamente o comportamento corporativo de duas maneiras:
- Em padrões de divulgação feita por organizações externas (como GRI, CDP, ISO 26000 e diretrizes da bolsa de valores), que apresentam referências de como as empresas devem relatar publicamente seus esforços de sustentabilidade e responsabilidade social corporativa.
- Em padrões de avaliação (como MSCI e SASB) do impacto financeiro das práticas de sustentabilidade de uma empresa do ponto de vista do investidor.
Em 2005, as Nações Unidas lançaram os Principles for Responsible Investment (PRI), marcando a introdução do conceito ESG, que compreende aspectos ambientais, sociais e de governança – três dimensões críticas que influenciam o comportamento corporativo e as decisões de investimento.
O PRI ajuda os investidores a entender como esses fatores ESG impactam os investimentos, avaliando as contribuições das empresas para a sustentabilidade econômica e a responsabilidade social.
Como o ESG se origina de princípios de investimento, seu foco está intimamente ligado aos negócios. Essencialmente, o ESG visa alcançar o desenvolvimento sustentável do ponto de vista comercial e de investimento.
Dado que as empresas buscam inerentemente o lucro, a ênfase muda de fatores puramente econômicos para considerações ambientais e sociais, junto com as estruturas de governança que apoiam esses objetivos.
Essa estrutura abrange uma ampla gama de tópicos de desenvolvimento sustentável e é concisa e fácil de guardar – por isso é popular em discussões e contextos políticos. Na verdade, o ESG muitas vezes serve como um substituto para o termo desenvolvimento sustentável em diálogos e marcos regulatórios.
Em resumo, o BfG é a abordagem, o desenvolvimento sustentável é o objetivo e o ESG serve como ferramenta prática.
Em maio de 2024, as bolsas de valores de Xangai, Shenzhen e Pequim divulgaram oficialmente as Diretrizes para Relatórios de Sustentabilidade por Empresas Listadas, estabelecendo padrões unificados de divulgação pela primeira vez na China.
Essas diretrizes categorizam as divulgações com base nas dimensões ESG, introduzindo uma mudança nos relatórios de sustentabilidade de voluntários para obrigatórios. Essa tendência ilustra que a sustentabilidade (incluindo ESG) está se tornando uma direção predominante na China e no mundo. À medida que as empresas enfrentam esse cenário, elas devem pensar se serão “afetadas passivamente” ou “engajadas proativamente”.
Negócios sociais têm essa postura proativa, servindo como um caminho para o desenvolvimento sustentável e futuras oportunidades de negócios. A definição de Business for Good foi formalmente introduzida em 2021 na CKGSB, com seu modelo delineado pela primeira vez no livro “Future Good Companies: A Three-Step Approach for Sustainable Business”, publicado em 2019.
Em resumo, o BfG é a abordagem, o desenvolvimento sustentável é o objetivo e o ESG serve como a ferramenta prática.
Por que isso é bom?
A abordagem Business for Good tem crescido em importância comercial nos últimos 20 anos, seguindo a tendência global de maior conscientização sobre a sustentabilidade.
Potenciais investidores estão levando em consideração as questões ESG ao decidir onde alocar seu dinheiro; em um ambiente geopolítico cada vez mais tenso, é provável que essa tendência continue. Por outro lado, os consumidores também estão se tornando mais exigentes em suas decisões de compra, demandando mais práticas responsáveis das empresas.
Dadas as pressões de todos os lados, há uma lógica inerente à abordagem das operações comerciais usando as lentes do BfG, mesmo antes de levarmos em conta o poder que as empresas têm para resolver desafios globais urgentes.
Por isso também é fundamental que os educadores das escolas de negócios incutam a ideia de BfG entre os alunos, incentivando-os a praticá-la segundo sua própria perspectiva e dentro de seu domínio de especialização. Do ponto de vista do CKGSB, é também assim que podemos praticar o Business for Good.
O que é fazer o bem
Para entender melhor a ideia em um sentido prático, propus uma teoria do triângulo BfG, que destaca os três pilares críticos para sua implementação nas empresas:
- Os valores de benefícios compartilhados.
- O apoio institucional.
- A integração do core business com as preocupações da sociedade.
O BfG na cultura chinesa
A essência do Business for Good pode ser resumida como alcançar lucro por meio do propósito. Na cultura chinesa, o debate sobre justiça e lucro tem uma longa história, evoluindo da ideia de Xunzi de “controlar o lucro com retidão” para visões que equilibram os dois.
O Business for Good vai um passo além, defendendo que o propósito vem primeiro, e o lucro segue. Essa sequência é crucial porque começar pelo lucro não leva necessariamente ao propósito, especialmente quando a miopia ou o interesse próprio entram em jogo.
Por outro lado, partir do propósito – abordando questões sociais e criando valor social genuíno – não apenas ganha o respeito das empresas, mas também ajuda a descobrir novas oportunidades de lucro. É assim que o verdadeiro sucesso é alcançado.
Mas, como acontece com muitas ideias, começar pode ser assustador. Para ajudar, criei um mapa de ação ESG para que empreendedores e líderes identifiquem facilmente áreas concretas em que suas empresas podem se concentrar.
Quatro focos sustentam a prática bem-sucedida do Business for Good:
- Concentre-se nos seus pontos fortes e crie benefícios mútuos. O Business for Good aproveita as principais competências de uma empresa – não apenas seu negócio principal, mas também pontos fortes em tecnologia, talentos e relacionamentos – para lidar com questões sociais. Ao se concentrar no que fazem de melhor, as organizações liberam o espírito empreendedor, garantem benefícios para todos os stakeholders e criam valor de forma sustentável. Isso promove um ciclo virtuoso de colaboração e crescimento entre empresas e sociedade.
- Comece com o altruísmo e obtenha lucro por meio do propósito. Como o Business for Good envolve fazer o bem por meio dos negócios, deve estar alinhado com sua lógica, permitindo que as empresas gerem lucros e sustentem um ciclo virtuoso. O caminho da lucratividade é “beneficiar os outros para beneficiar a si mesmo” – resolver os problemas dos outros e criar valor para eles, o que, por sua vez, gera retornos para o negócio.
- Aproveite o propósito para levantar o moral. Como vivemos um momento de desafios globais que prejudicaram a economia, meus alunos costumam perguntar: “se as empresas estão lutando para sobreviver, como podem praticar o Business for Good?”. Tentei persuadi-los com argumentos, mas o impacto foi limitado.
Minhas palavras como professora têm pouco peso para os empreendedores que enfrentam lutas reais. No entanto, as ações dos colegas são incrivelmente poderosas. Alguns empreendedores, mesmo na adversidade, permanecem comprometidos com o Business for Good, focando no altruísmo e alcançando resultados notáveis que inspiram os outros.
No ano passado, esses profissionais compartilharam uma lição importante: quando as empresas incorporam o Business for Good em sua cultura, os funcionários ganham um senso de propósito mais profundo. Esse senso de missão não apenas eleva o moral da equipe, mas também promove uma cultura corporativa positiva. Com propósito, os desafios parecem muito menos intimidantes!
- Nada de coerção moral, apenas inspiração. O conceito de Business for Good não contempla pressão moral, e sim oferecer aos empreendedores uma nova perspectiva. Essa abordagem os incentiva a observar em profundidade os desafios sociais e ambientais, descobrir novas oportunidades de mercado e explorar caminhos para o crescimento. Ao fazer isso, o Business for Good não apenas impulsiona o desenvolvimento sustentável das empresas, mas também traz energia transformadora positiva para a sociedade como um todo.
Afinal, esse modelo funciona?
A importância de conquistar resultados tangíveis e apoio para incutir propósito e inspirar outras pessoas a adotar uma abordagem Business for Good é fundamental. Eu criei um sistema de mentores (alguns dos quais são ex-alunos do CKGSB e outros são empresários não afiliados ao CKGSB, mas bem-sucedidos e que compartilham a mesma crença no BfG) para ajudar nossos alunos.
Acompanhamos as melhores práticas e pedimos a essas pessoas que voltem às salas de aula para compartilhar suas experiências. Também reunimos livros de casos do BfG, para que futuros alunos possam aprender com as experiências dos outros, positivas ou negativas, e desenvolver ainda mais as ideias.
Quanto aos números, até agora mais de 2.000 alunos do CKGSB EMBA implementaram projetos BfG em suas empresas, dos quais 30% foram apresentados como “melhores práticas”. Publicamos dois livros contendo casos do BfG nos últimos dois anos, apresentando “melhores práticas” entre os alunos das 36a e 37a turmas de EMBA.
Nossa rede de mentores se expandiu para mais de cem membros, que trabalham conosco continuamente para ajudar os alunos a iniciar e continuar seus projetos BfG. E também publicamos duas diretrizes de BfG, uma para o setor de alimentos e outra para o de jogos.
Esses recursos e inovações ajudaram nossos alunos a iniciar projetos BfG que são realmente relevantes para as competências essenciais de seus negócios, produzindo efeitos benéficos multilaterais e atingindo um grau de realização durante o processo.
Perspectivas para o futuro
Com o clima global desafiador que estamos vivendo, a necessidade de mais negócios sociais só vai aumentar. A ideia em si é sólida, e o número crescente de exemplos bem-sucedidos está fortalecendo os argumentos a favor deles.
Do ponto de vista do curso CKGSB, existem três caminhos para melhorias futuras:
- Continuar a aprimorar o curso BfG baseado na prática, incentivando mais alunos não apenas a fazê-lo, mas a melhorá-lo.
- Oferecer orientação mais aprofundada para projetos selecionados e transformá-los em cases de alta qualidade, que possam ser usados para ensinar outras pessoas.
- Aumentar o impacto do curso, fornecendo apoio e incentivando outras escolas para que ofereçam programas semelhantes e colaborando com outras organizações para incentivar ainda mais nossos alunos a se envolver em estratégias de BfG de longo prazo.