Em dezembro de 2024, a Câmara de Comércio da China para a União Europeia (CCCEU) divulgou um relatório destacando diversas áreas em que as empresas chinesas enfrentam dificuldades crescentes quando querem fazer negócios no maior bloco econômico do mundo.

Por outro lado, a União Europeia segue sendo não só uma economia gigantesca mas também o maior parceiro comercial da China – e é mais acessível a empresas chinesas do que outras partes do mundo. Em um momento em que negócios chineses estão se expandindo internacionalmente para evitar a forte concorrência doméstica ou explorar novas oportunidades de crescimento, os obstáculos na UE não são um bom presságio para quem tem essa ambição.

O endurecimento da triagem de investimentos, a possível exclusão de empresas chinesas de determinados setores, as investigações sobre negócios por supostas violações das regras de subsídios estrangeiros (FSR) e tarifas maiores sobre importações fazem parte do cenário de tensões geopolíticas que estão ganhando corpo.

Em um momento em que negócios chineses estão se expandindo internacionalmente para evitar a forte concorrência doméstica ou explorar novas oportunidades de crescimento, os obstáculos na UE não são um bom presságio.

Apesar desses desafios, muitos observadores europeus ainda consideram seu mercado aberto aos negócios chineses, especialmente quando comparado aos Estados Unidos. “Toda capital europeia, assim como Bruxelas, enfatiza que os investimentos chineses são bem-vindos. Não queremos fechar a Europa para esses investimentos”, afirma Ferdinand Schaff, gerente sênior para a Grande China na Federação da Indústria Alemã (BDI).

“O tom é muito diferente do que se ouve nos Estados Unidos, onde a abertura geral está sendo cada vez mais questionada. Nós [na Europa] queremos permanecer abertos — mas em nossos próprios termos, levando em conta os riscos econômicos e de segurança nacional.”

Picos e vales

Há quinze anos, China e Europa viviam uma lua de mel econômica sem precedentes, com enormes fluxos de bens e capitais chineses entrando no bloco. O investimento chinês chegou a ajudar a resgatar alguns setores e empresas em dificuldades durante a crise financeira global.

As empresas chinesas embarcaram em uma onda de compras, adquirindo ativos europeus que iam desde portos até indústrias, e algumas chegaram até a estabelecer operações na Europa para produzir para os mercados locais, consolidando sua presença.

O aumento da fiscalização sobre investimentos estrangeiros na Europa, aliado aos rígidos controles de capital da China, fez com que o valor das aquisições chinesas na UE despencasse 58%.

No final de 2023, o Investimento Estrangeiro Direto (IED) da China na UE atingiu US$ 102,4 bilhões, representando 33% do investimento chinês em economias desenvolvidas, segundo estatísticas oficiais. Hoje, de acordo com relatórios da CCCEU, existem mais de 2.800 empresas chinesas na UE, empregando 270 mil pessoas.

“No geral, o IED chinês na Europa acelerou após 2012, atingiu o pico em 2016 e depois começou a cair”, afirma Ding Chun, diretor do Centro de Estudos Europeus da Universidade de Fudan. “Claro que esse declínio está ligado a fatores como a pandemia, a invasão da Ucrânia pela Rússia e as relações sino-russas.”

Inicialmente, fusões e aquisições eram o método preferido para ingressar no mercado europeu. No entanto, o aumento da fiscalização sobre investimentos estrangeiros na Europa, aliado aos rígidos controles de capital da China, fez com que o valor das aquisições chinesas na UE despencasse 58%, chegando a apenas €1,5 bilhão (US$ 1,57 bilhão) em 2023, de acordo com um relatório da empresa de pesquisas econômicas Rhodium Group, dos Estados Unidos.

Nos últimos anos, os investimentos do tipo greenfield (novos empreendimentos construídos do zero) começaram a ganhar destaque. O relatório da Rhodium mostrou que, em 2023, esse tipo de investimento representou 78% do total chinês na Europa, um aumento em relação aos 51% do ano anterior.

Enquanto os americanos impõem proibições quase generalizadas ao acesso de empresas chinesas a setores estratégicos, os europeus fazem restrições de maneira mais direcionada.

Com os formuladores de políticas da UE enfatizando cada vez mais a visão da China como um concorrente estratégico e um rival sistêmico, “isso, sem dúvida, teve um impacto significativo no ambiente geral de investimentos”, diz Ding.

Apesar das barreiras crescentes, as empresas chinesas ainda desfrutam de um nível relativamente maior de acesso ao mercado europeu em comparação com os Estados Unidos. Schaff, da BDI, observa que Europa e Estados diferem na forma como aplicam restrições contra a China. Enquanto os americanos impõem proibições quase generalizadas ao acesso de empresas chinesas a setores estratégicos, os europeus fazem restrições de maneira mais direcionada.

Dito isso, as empresas chinesas, especialmente as estatais, muitas vezes são vistas como uma extensão da estratégia econômica do país, o que gera preocupações. Empreendedores do setor privado também podem enfrentar dificuldades devido à percepção de ligação com o governo chinês.

Em 2011, por exemplo, a proposta de compra do desenvolvedor imobiliário Huang Nubo de 300 quilômetros quadrados de terra na Islândia por US$ 8,9 milhões foi rejeitada pelo governo islandês por razões de segurança nacional.

Embora os investimentos continuem, o otimismo inicial em torno de negócios marcantes na Europa – como a aquisição da montadora Volvo pela Geely Holdings (conglomerado chinês do setor automobilístico) em 2010 e a compra da alemã Kuka (automação e robótica) pela Midea (empresa chinesa de eletrodomésticos e automação) em 2017 – deu lugar a um ceticismo crescente.

Explorando toda a gama de setores

Desde as primeiras exportações de têxteis e brinquedos até mercadorias mais sofisticadas, como eletrônicos de consumo e até automóveis, as empresas chinesas na Europa abrangem uma ampla variedade de setores.

De acordo com Varg Folkman, analista de políticas do European Policy Centre em Bruxelas, a crescente influência comercial da China agora é mais evidente em segmentos de alto valor, como veículos elétricos, baterias de energia, tecnologia limpa e construção naval.

Mas ele também apontou várias áreas em que as empresas chinesas são surpreendentemente competitivas e visíveis. “Os chineses venceram muitas licitações para trabalhos de dragagem na Europa”, observa Folkman. “As empresas chinesas na Europa realmente abrangem toda a gama.”

Aproveitando sua tecnologia de ponta e sua força em supply chain, os fabricantes de veículos elétricos da China, os produtores de painéis solares e a indústria de turbinas eólicas estão na vanguarda de uma ofensiva para cativar a Europa. Outras empresas chinesas também continuam a investir em infraestrutura, saúde, consumo, entretenimento e setores de tecnologia da informação e comunicação da Europa.

A Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI) da China tem sido um importante motor para a expansão das empresas chinesas, particularmente na Europa Oriental, com a Hungria, um aliado próximo e parceiro-chave nessa iniciativa, emergindo como um destino preferido. Empresas de EV e baterias como CATL, Eve Energy e Nio investiram um total de €19 bilhões (US$ 19,87 bilhões) lá até junho de 2023

Inovação chinesa avança na Europa

Hoje, a percepção do mundo sobre a China dificulta as ambições de expansão de suas empresas. Uma pesquisa realizada em 2023 pelo Pew Research Center (Estados Unidos) revelou que apenas 18% dos alemães, 22% dos franceses e 27% dos britânicos têm uma visão favorável da China. Mas, apesar das dificuldades, as empresas chinesas decidiram priorizar a Europa em seus esforços de expansão global.

Esses esforços remontam à década de 2010, quando a China, movida por suas exportações, foi atrás de portos em alguns países europeus. Em 2008, o porto de Piraeus, na Grécia, fez parceria com o conglomerado chinês Cosco, tornando-se um hub chave no Mediterrâneo para mercadorias chinesas entrando na UE. Em 2023, após negociações prolongadas, a Alemanha permitiu que a Cosco adquirisse uma participação de 24,99% no terminal portuário de Hamburgo.

Os veículos elétricos (EVs) são outro pilar da campanha da China para mostrar suas inovações na Europa. Pioneiros como BYD, Nio e Xpeng estabeleceram concessionárias para vender em países como Noruega, Países Baixos e Espanha.

Outro sinal da confiança recém-descoberta das empresas chinesas é o surgimento de centros de pesquisa e desenvolvimento (P&D) nos últimos anos por toda a Europa.

E as empresas chinesas são ainda mais dominantes no setor de energia renovável. A Comissão Europeia destacou, em um relatório de energia limpa de outubro de 2023, que a região tem altos níveis de dependência da China para painéis solares e componentes relacionados.

Embora gigantes de telecomunicações chinesas, como Huawei e ZTE, sejam excluídas da participação em projetos de 5G na Europa sob a estratégia de redução de riscos da UE, dados da consultoria americana EJL Wireless Research mostram que apenas nove dos 38 países europeus evitaram usar equipamentos da Huawei.

“Acho que muitos líderes [europeus] são céticos, não necessariamente porque sejam inerentemente hostis à China, mas porque têm receio de depender excessivamente de um único país”, diz Volkman. “Muitos deles são relutantes em manter o status quo como está.”Em 2023, a União Europeia registrou um déficit comercial de € 292 bilhões (US$ 305 bilhões) com a China.

Em 2023, a União Europeia registrou um déficit comercial de € 292 bilhões (US$ 305 bilhões) com a China.

Outro sinal da confiança recém-descoberta das empresas chinesas é o surgimento de centros de pesquisa e desenvolvimento (P&D) nos últimos anos por toda a Europa. Liderando essa mudança estão, novamente, as empresas de veículos elétricos. Fabricantes tradicionais como Geely e Chery, com seus centros de P&D perto de Frankfurt, foram acompanhados no início deste ano pela novata Li Auto, que inaugurou seu próprio centro em Munique.

Além de realizar suas próprias pesquisas e desenvolvimento, os fabricantes de automóveis formaram joint ventures com empresas locais para alinhar seus interesses. Em um movimento ironicamente descrito como uma “joint venture reversa”, a Chery fez parceria com a empresa espanhola EV Motors, em Barcelona, para produzir carros sob a marca Ebro.

Preocupações europeias

Nas últimas duas décadas, o mercado europeu se tornou mais consciente do impacto desproporcional das empresas e das exportações chinesas em suas próprias economias. Isso levou alguns países a resistir ativamente à crescente influência econômica da China, ou a usar o mercado europeu para levar vantagem em negociações.

“Alguns temem que a Europa se torne um depósito para a capacidade excedente da China”, diz Folkman. “Outros esperam que, já que a Europa é um dos maiores mercados abertos do mundo, uma vez que o americano está se fechando para a China, talvez isso seja uma vantagem para negociar com nossos parceiros chineses.”

Em 2023, a União Europeia registrou um déficit comercial de € 292 bilhões (US$ 305 bilhões) com a China, o que levou a novos apelos para abordar questões como produtos falsificados, roubo de propriedade intelectual, manipulação de moeda e práticas comerciais e trabalhistas desleais.

Os fabricantes de automóveis europeus estão alarmados com a perspectiva de veículos fabricados na China, produzidos a custos consideravelmente menores, invadirem seu mercado sob a política de portas abertas do livre mercado da Europa.

No entanto, as dificuldades comerciais são pequenas comparadas à ameaça que os veículos elétricos chineses representam para a indústria automobilística europeia. Os fabricantes de automóveis europeus estão alarmados com a perspectiva de veículos fabricados na China, produzidos a custos consideravelmente menores, invadirem seu mercado sob a política de portas abertas do livre mercado da Europa.

Esse cenário pode agravar os problemas para os fabricantes de automóveis alemães, que já estão sofrendo um desastre no mercado chinês. A Volkswagen, que até recentemente dependia fortemente da China para ter lucro, decidiu cortar 35 mil empregos na Alemanha até 2030 para conter as perdas. Espera-se que os efeitos se espalhem também pela supply chain da indústria automobilística alemã.

A reputação da China como especialista em “projetos de baixa qualidade” certamente não ajuda. Em um dos fracassos mais icônicos da Iniciativa do Cinturão e Rota, a rodovia que conecta a cidade portuária de Bar, em Montenegro, à Sérvia foi deixada em suspenso quando o financiamento se esgotou.

Dos 163 quilômetros originalmente planejados para serem concluídos até 2019, apenas cerca de 41 estão em operação até hoje. Além disso, a percepção persistente de que produtos chineses têm qualidade inferior continuam a existir na Europa. Novos marketplaces, como Shein e Temu, conhecidos por seus produtos baratos com ciclo de vida curto, apenas exacerbaram esses estereótipos.

Gerenciando os riscos

Cerca de 78% das empresas chinesas entrevistadas para o relatório da CCCEU citam o aumento de incertezas como um fator que ofusca as perspectivas de negócio.

À medida que a UE adota uma política de evitar riscos – voltada especialmente à China –, as empresas chinesas na Europa estão cada vez mais se sentindo indesejadas e alvo de críticas injustas. Também estão preocupadas com o fato de suas operações estarem sujeitas a revisões e investigações mais rigorosas.

É difícil prever quando (ou se) China e Europa alcançarão um consenso sobre a questão das tarifas de veículos elétricos. Alguns analistas são mais otimistas. Schaff acredita que as tarifas da UE sobre os EVs chineses têm como objetivo provocar um “resultado desejado”. “Do ponto de vista europeu, essas tarifas devem ter o efeito de tornar o investimento na Europa mais atraente para as empresas chinesas”, afirma.

Outros são mais pessimistas sobre o futuro do relacionamento China-UE, especialmente com Donald Trump na Casa Branca. Isso pode deixar a Europa com pouca margem de manobra entre Pequim e Washington. “Há uma possibilidade muito real de que o relacionamento entre a Europa e a China piore muito devido à pressão americana”, diz Folkman.

A China e a UE terão problemas, mas essa é uma relação que não vai desaparecer – e os países da UE, em geral, estão interessados no investimento chinês. “Embora haja disputas entre a China e a Europa, os investimentos chineses na Europa continuam em grande parte como de costume”, afirma Ding. “Esses investimentos geram empregos, receitas fiscais e, até certo ponto, transferência de tecnologia.”

*Ni Tao, redator-colaborador da CKGSB Knowledge

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